Saúde
Rol taxativo causa apreensão em pais e associações
Decisão do Superior Tribunal de Justiça determina que planos de saúde só arquem com os procedimentos que estejam listados na ANS
Carlos Queiroz -
Uma decisão tomada pelo colegiado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na última quarta-feira, alterando o entendimento sobre o atendimento prestado pelos planos de saúde, está causando mobilização de pais e associações de pessoas que têm algum transtorno ou deficiência. Eles temem que, com a nova resolução, tratamentos que estão em curso sejam suspensos e que novas assistências recomendadas por médicos não sejam providas por não estarem na lista de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A decisão veio de um processo que tramitava no STJ desde setembro do ano passado e determinou que a lista de procedimentos da agência de saúde é taxativa, ou seja, os planos de médicos são obrigados a cobrir apenas os serviços listados na instituição.
Antes do julgamento, a lista da ANS, que conta com cerca de mais de três mil itens, era considerada um catálogo de cobertura exemplificativa - o que, na prática, significava que os planos de saúde não se limitavam a cobrir apenas os tratamentos presentes na relação, pois seriam exemplos do mínimo de serviços que deveriam ser prestados aos pacientes. Agora, o entendimento é que os serviços médicos que não estão apontados pela agência de saúde não precisam ser prestados pelos planos.
São diversos os casos de pessoas que recorreram à Justiça porque necessitavam de algum tratamento que seu plano de saúde não oferecia. Em sua grande maioria, os pacientes ganhavam o processo e conseguiam que o serviço fosse prestado por meio de liminar, já que a maior parte do Judiciário tinha o entendimento de que a lista da ANS servia de rol exemplificativo aos operadores de saúde. Agora, pacientes reivindicam que a decisão do tribunal seja revista por medo da perda de tratamentos.
Uma das pessoas preocupadas com a situação é a analista de recursos humanos Vanessa Piske, mãe de Enzo, diagnosticado com autismo aos dois anos de idade. Ele tem acompanhamento médico e realiza sessões de terapias com terapeuta ocupacional, fonoaudióloga e psicopedagoga desde então. Hoje, aos seis anos, Vanessa teme que os tratamentos da criança sejam suspensos, já que seu plano de saúde não cobria todas as sessões recomendadas por médicos e ela conseguiu na justiça o direito integral ao serviço.
“Quando começou esse burburinho de que teria essa votação do rol taxativo a gente realmente ficou muito apreensivo. Afinal de contas, fazemos um esforço para arcar com esse plano de saúde. Nós pagamos a coparticipação. Se tivermos que pagar 100% das sessões é um valor muito mais alto”, explica.
Ela afirma ainda que os médicos sempre recomendam um número muito maior de sessões do que consta na lista da ANS. Então, assim como outros pais, Vanessa tem receio dos prejuízos que o rompimento dos tratamentos pode causar no progresso do filho. “Ficamos muito apavorados, porque a gente sabe que é extremamente importante para o desenvolvimento deles e, afinal de contas, quem é que não quer o melhor?O melhor desenvolvimento para o filho. Realizamos um esforço econômico para poder arcar com relação ao acompanhamento, as terapias que, desde que ele recebeu o diagnóstico, o neuropediatra já indicou de imediato e de forma intensiva”, declara.
Desde que entrou no STJ, o processo sobre a mudança no entendimento do rol tem gerado mobilizações. Em abril, um grupo de pais de crianças com doenças raras e deficiência se acorrentou nas grades do Palácio da Justiça, em Pernambuco. O ato foi em reivindicação de que o Judiciário mantivesse o entendimento de que a lista da ANS era um rol exemplificativo.
Em Pelotas, a Associação de Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (Amparho) já havia realizado uma mobilização, em fevereiro deste ano. Na última quarta, a Amparho esteve presente no ato, em conjunto com diversas organizações, realizado em Porto Alegre na frente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
A presidente da Amparho, Eliane Bitencourt, ressalta ainda que há um grupo composto pelas várias instituições e que estão articulando contra o rol taxativo. “Estamos com dez advogados no grupo, especialistas em direito dos PCDs”, conta. Além disso, ela afirma que a petição contra a decisão do STJ já conta com 165 mil assinaturas.
Além da associação, outras organizações lançaram nota de repúdio contra a taxatividade, como a Rede Gaúcha Pró Autismo (RGPA). Exigindo a manutenção do rol exemplificativo, a manifestação da RGPA tem o apoio de instituições de 43 cidades do Estado.
Eliane conta que, embora alguns advogados tenham garantido às pessoas que os tratamentos não serão interrompidos, chegaram informações à associação de casos nos quais os planos já estão limitando os serviços aos pacientes. “Os convênios já estão se adequando, dando prazos de prestação do tratamento, até 30 de junho, por exemplo, e depois não irão mais cobrir a terapia”, afirma.
O defensor público de Rio Grande, Marco Antônio Vieira e Sá, afirma que a decisão é um retrocesso no direito à saúde. De acordo com Sá, o estabelecimento da taxatividade como regra ameniza a responsabilidade dos planos de saúde e gera riscos de deixar muitas pessoas desamparadas, “sem tratamentos fundamentais para a preservação de sua saúde, especialmente no caso de pessoas que sofrem de doenças raras”.
O defensor explica ainda que o rol exemplificativo é muito mais adequado à natureza do serviço prestado pelos planos de saúde. “A Medicina é uma área em constante evolução e as listas estabelecidas pela ANS naturalmente não conseguem acompanhar essa evolução no mesmo ritmo. Contudo, o direito à saúde e à vida são garantidos pela Constituição e os planos médicos não podem se furtar de prestar tratamento com base em listas rígidas”, aponta.
Na decisão do STJ, o ministro relator do processo, Luis Felipe Salomão, defendeu que a taxatividade do rol é essencial para o funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar. Ele afirma que a determinação vai garantir a proteção dos beneficiários dos planos, que poderiam ser prejudicados com o aumento de valor se as operadoras tivessem de arcar indiscriminadamente com ordens judiciais para a cobertura de procedimentos fora da lista.
Além disso, o colegiado fixou parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.
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